segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

"O Viajante".


Seus olhos abriram-se lentamente, enquanto uma mão insistente segurava seu ombro esquerdo e o chacoalhava. Sonolento, levou alguns segundos para recordar-se de onde estava, olhando meio pasmo ao seu redor. Sentiu suas costas doerem, e percebeu que se encontrava em uma posição desconfortável, enquanto olhava para o homem suado, baixo e sorridente, com uma camisa azul estufada na altura do ventre, que tocava seu ombro e o acordava. Era o motorista do ônibus

- Hei, amigo, chegamos! Última parada!

Aquelas palavras ecoaram de maneira estranha para ele, que sorriu para o homem, agradecendo. Lançou um último olhar pela janela a sua direita, espreguiçando-se, e gostou do que viu. Estava em uma rodoviária pequena, onde seu ônibus era o único estacionado. Estava limpa, muito mais do que ele esperava que uma rodoviária de cidade pequena pudesse estar. Dali podia ver uma praça gramada e arborizada, com um pequeno coreto. Além do coreto, ainda na mesma praça, estava uma construção antiga, mas muitíssimo bem conservada, com suas paredes na cor salmão, e pilares romanos brancos em sua entrada.

Levantou-se. Estava com a boca seca, e acreditava que seus cabelos e todo o seu rosto estavam amarrotados. Passou a mão por eles, sentindo a oleosidade dos mesmos. Precisava de um banho. E de uma boa refeição. E com o intuito de providenciar ao menos uma destas coisas, colocou a sua mochila cargueira nas costas, e desceu do ônibus, desejando boa viagem e boa sorte para o motorista.

O sol estava extremamente luminoso, embora a temperatura estivesse agradável. Demorou-se, parado, enquanto seus olhos se acostumavam com a claridade, e caminhou em direção a praça, que ficava na calçada oposta. Rumou a passos largos, ouvindo o som de suas botas em contato com o chão da rua irregular, feita em paralelepípedos, misturar-se com a voz das crianças que brincavam na rua transversal a que ele atravessara, a sua direita. Caminhou pela grama verde da praça, em direção ao pequeno coreto, e percebeu que o olhar dos jovens casais, grupos de amigos e idosos era direcionado a ele. Sentiu um certo embaraço, pois apesar de sua aparente extroversão, era tímido. Principalmente quando se tratava de pessoas que ele não conhecia.

Enquanto olhava para as pessoas da praça, não percebeu a aproximação de uma garota, que agora andava ao seu lado. Estacou momentaneamente, olhando-a com ar incrédulo, tentando compreender o motivo dela estar acompanhando seus passos. Ela também parou, e olhou-o com uma expressão curiosa. E sorriu.

Ele percebeu que seus olhos eram de cores diferentes, o direito azul, e o esquerdo verde, mas achou prudente não fitá-los por muito tempo. Sua pele era branca, um pouco rosada devido ao sol. Seus cabelos tinham uma tonalidade avermelhada, mas ele não pôde precisar a cor, uma vez que em alguns locais era mais escuro, e em outros, mais claro. Mas tinha certeza de que eram curtos, e mal tocavam a nuca nas partes em que era mais longo. Ela era bem mais baixa que ele, que a olhava do alto dos seus 1,80m, embora ele tivesse a impressão de que ela poderia acabar com ele a qualquer momento. E usava roupas estranhas e incomuns. Um par de botas de cano alto, um short jeans curto, uma camiseta com listras verticais multicoloridas que o faziam lembrar do sinal de barras que apareciam na tv quando um canal saía de ar, e por cima disso, um paletó. Roxo.

Parecia que ela também o avaliava, mas com um sorriso no rosto. Quando pareceu satisfeita, falou com a voz mais estranha que ele já ouvira, embora não deixasse de ser uma voz bonita e poderosa.

- Você nem sabe onde está, não é mesmo?

Ele balançou a cabeça de um lado a outro, vagarosamente, indicando que ela estava certa.

- Sabe ao menos porque está aqui?

Ele novamente balançou a cabeça. Percebeu que estava de boca aberta, e tratou de fechá-la.

- Vem, me segue. Vou te apresentar a cidade, e providenciar para você um lugar para comer. E outro para tomar banho...

Disse, franzindo o nariz enquanto andava a sua frente.

- E não olhe para minha bunda, ok?

Acrescentou sem olhar para trás, mas ele sabia que era um aviso sério e que não deveria mesmo olhar. Sentiu-se idiota por estar seguindo aquela menina, mas algo dentro dele dizia que era exatamente isto que devia fazer. Caminhou por algumas ruas, e foi guiado para uma pequena pensão. No caminho, percebeu que as pessoas acenavam discretamente para ela, e o seguiam com o olhar. Depois, percebeu que o leve aceno era na verdade para ele, e que as pessoas o olhavam com um misto de curiosidade, admiração e medo. Estava tudo muito, muito estranho.

Dentro da pequena pensão, foi recebido pela proprietária, uma senhora com um vestido florido, um pouco acima do peso, que aparentava estar na casa dos 40 anos, e por mais duas meninas, com aparentemente 16, 17 anos, provavelmente funcionárias. Elas não olhavam para ele, e ele constatou que elas não eram atraentes. Tinham o jeito acanhado que a maioria das meninas do interior possuí, embora a de cabelos pretos já apresentasse curvas promissoras. A loira não passava de uma criança desenvolvida.

Foi prontamente atendido. Alugou um quarto, sem nem ao menos questionar o valor, e dirigiu-se para ele, que ficava no segundo andar, e enquanto subia as escadas, percebeu que a menina de olhos desiguais o acompanhava. Enquanto abria a porta questionava-se se ela realmente tinha a intenção de entrar, e sua pergunta foi respondida assim que ele terminou de abri-la, pois ela passou a sua frente e atirou-se na cama. Ele fechou a porta atrás de si, temeroso, e colocou a pesada mochila no chão, ainda encarando-a.

- Você não vai tomar banho? Sério, está realmente precisando...

Ele não se deu ao trabalho de responder. Pegou a sua mochila, e entrou no banheiro, trancando a porta ao passar por ela. Virou-se, e deu de frente com a sua imagem refletida no espelho. Sua barba estava por fazer. Seu rosto estava magro, e sua blusa preta estava empapada de suor. Seus cabelos negros, com muitos fios brancos, estavam oleosos e com aspecto sujo. Ele realmente precisava de um banho.

Livrou-se de suas roupas, atirando-as ao chão de qualquer jeito, e perguntou-se novamente o que estava fazendo ali. Sem conseguir achar uma resposta plausível, abriu o chuveiro, e deixou que a água levasse embora tanto a sujeira quanto as preocupações que o assolavam. Se era pra acontecer algo inesperado, que acontecesse. Não era a toa que ele estava com uma mochila, contendo todas as roupas que ele pôde carregar. Também não era por acaso que acordara em uma cidade que ele não conhecia, da qual ele sequer sabia o nome. Já que estava aqui, seguiria até o fim.

Saiu do banheiro sentindo-se renovado. Usava agora uma calça cargo preta, com muitos bolsos, e uma das suas inúmeras blusas pretas, e decidiu abrir mão de sua bota, calçando chinelos confortáveis que trazia em sua mochila. Ela ainda estava sobre a cama, e agora o olhava, parecendo satisfeita.

- Não vai fazer a barba?

Ele fez novamente que não com a cabeça. Não tinha coragem de falar, pois sua voz pareceria insignificante diante da dela, e porque as palavras eram desnecessárias até o momento. Ela sorriu, levantou-se, e encaminhou-se para porta.

Ao chegarem no andar térreo, onde ficavam as mesas para o restaurante, o cheiro de comida caseira dominou todos os seus sentidos. Seu estômago dominou os outros órgãos. Ele estava derrotadamente faminto, e parecendo adivinhar isto, sem que ele pedisse, a proprietária serviu-o. Ele devorava a sua comida, e apenas percebeu que sua companheira não comera nada quando terminou. Levantou-se, agradecendo a proprietária, e quando questionou sobre o valor, ela sorriu nervosa para ele, e com o olhar esperançoso, disse que era por conta da casa. Ele ia discutir, mas a menina dos cabelos curtos e avermelhados o pegou pelo braço e o fez segui-la, sob o olhar atento das funcionárias da pensão.

Ele caminhou com ela por diversos locais da pequena cidade. Na verdade, ele descobriu que não passava de um vilarejo, onde o principal meio de transporte era a bicicleta, onde carros eram raros, onde todas as pessoas se conheciam pelo nome. E ele foi apresentado a cada uma delas, enquanto andavam em direção a praça principal, aquela que ele vira pela janela do ônibus quando chegara. Atravessaram o gramado, e também o coreto, e rumaram para o prédio antigo, bem conservado, da cor salmão com pilastras brancas. Ao chegarem, ele percebeu que era muito mais alto do que ele imaginara, uma construção totalmente desproporcional a cidade na qual se encontrava. Embora ele pudesse ter três andares separados em seu interior, ao passar pelas portas duplas, ele saiu em um único salão redondo, iluminado por uma clarabóia no teto e por vitrais em suas paredes altas. Por toda a extensão das paredes, livros e mais livros. Ele estava em uma única e imensa biblioteca.

Olhou para trás, e viu que pelo menos metade da população da cidade estava do lado de fora, observando-o, enquanto ela o fazia avançar pelo salão. Seus passos ecoavam, enquanto os dela não faziam o menor ruído. Atravessaram inteiramente a biblioteca, em silêncio respeitoso, e saíram em um jardim, totalmente coberto por parreiras colocadas a cinco metros de altura. Cercas vivas serviam como paredes, e isolavam aquele recinto do mundo exterior. Estátuas de mármore estavam espalhadas por ali, e um pequeno riacho cortava paisagem, com uma ponte de madeira a atravessá-lo. E no meio de tudo isso, uma grande cadeira, quase um trono, e uma mesa, sobre o qual encontrava-se o maior livro que ele já vira. Ele estava aberto, e suas folhas estavam em branco. Ao lado do livro, um tinteiro.

Ele ficou de frente para ela ao chegarem à mesa, e antes que pudesse perguntar onde estavam, ela estendeu uma pena branca em sua direção. Ele hesitou.

- Meu irmão me pediu para trazê-lo até aqui, embora ele quisesse ter vindo, mas foi impedido por outros assuntos. Então, em nome dele, eu te pergunto: Gostarias de ser o Escritor de Sonhos?

Primeiro, ele achou que fosse algum tipo de brincadeira, mas percebeu imediatamente que não era. Então, foi assalto pelo pavor, e todo o seu corpo começou a tremer. Não, ele não queria ter esta responsabilidade, ele sequer era um escritor de verdade! Tentou gritar que ela estava errada, que ele não era a pessoa certa, que tudo era um grande engano, mas apenas balbuciou palavras sem sentido. Ela preocupou-se, e colocou ambas as mãos em seus ombros, enquanto dizia em tom tranqüilizador:

- Calma! Você não será o escritor de todos os Sonhos! Apenas responderá pelos sonhos dos moradores desta cidadela! Ou acha que meu irmão realmente colocaria você em um cargo acima de sua capacidade? Claro, com o passar dos anos, você provavelmente vai subir de posto, mas isso leva tempo, e até lá...

Ele não estava mais prestando atenção. Descobriu o que afligia as pessoas daquela cidade. Elas não sonhavam! Nenhuma delas possuía sonhos! Era por este motivo que todos o olhavam, e provavelmente era por isto que estava ali! Eles contavam com ele para aquela função!

Ela havia parado de falar, e o olhava. Ele pegou a pena de suas mãos. "Hei, amigo, chegamos! Última parada!" As palavras ecoaram em sua cabeça. Ele sentou-se na grande cadeira, e mergulhou a ponta da pena no tinteiro. Ela desapareceu em pleno ar, lançando para ele uma piscadela e um olhar insano. Lá fora, as pessoas se abraçavam, comovidas. Elas sonhariam esta noite.


Conto de presente! Amei, que criatividade sensível a do meu amigo!

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Liberdade de Expressão?



Em respeito aos leitores não-juristas do Blog, procurarei tratar o assunto de forma simples e sem “jurisdiquês”. No entanto, não deixarei de mencionar a doutrina e a jurisprudência pátrias mais autorizadas sobre o assunto. Deixo claro que me inspirei e utilizei vários trechos do valiosíssimo artigo de Daniel Sarmento: “A liberdade de Expressão e o problema do Hate Speech”. Não tenho a pretensão de esgotar o tema, apenas deixarei pontos para reflexão.

Na época da ditadura era muito fácil falar em liberdade de expressão, pois os atos de censura eram, inegavelmente, merecedores de reprovação. No cenário democrático, questões complexas vêm à tona, envolvendo a imposição de limites a este direito fundamental, necessários à proteção de outros direitos igualmente importantes, como a honra, a privacidade, a igualdade. Os juízes têm buscado fórmulas de equilíbrio entre princípios constitucionais colidentes, utilizando comumente a técnica da Ponderação de Interesses.

Importante salientar que, por mais valioso que seja, nenhum direito fundamental é absoluto. Até mesmo o direito à vida é relativizado em nosso ordenamento em vários momentos. Podemos visualizar claramente tal fato através do “aborto sentimental”, nos casos de estupro, ou mesmo para salvar a vida da gestante. Há ainda a pena de morte no caso de guerra declarada (art. 5º XLVII da CRFB/88). São situações especialíssimas, obviamente.

Recentemente, esteve sob os holofotes da mídia de todo o mundo o tema dos limites à liberdade de expressão. Quem não recorda da publicação de Charges do profeta Maomé em um jornal Dinamarquês? Alguns sustentaram que as caricaturas, além de representarem ofensa gratuita à religião Islâmica – que, como se sabe, não permite representações pictóricas de seu Profeta – também incitaram ao preconceito contra os árabes, ao caracterizá-los de forma estereotipada, como terroristas. Outros entenderam que tratava-se do exercício legítimo da liberdade de expressão sobre questão de máximo interesse público: o recrudescimento de conflitos em razão do fundamentalismo religioso.



A questão que vem à tona é: as manifestações de ódio, desprezo ou intolerância contra determinados grupos, motivadas por preconceitos ligados à etnia, religião, gênero, deficiência física ou mental e orientação sexual devem ser protegidas?

O assunto tem provocado debates apaixonados pelo mundo todo. Cortes constitucionais e supremas cortes de diversos países já se manifestaram sobre o tema, bem como instâncias internacionais de direitos humanos.

De um lado há os que afirmam que a liberdade de expressão não deve proteger apenas a difusão de idéias com as quais simpatizamos, mas também aquelas que desprezamos e odiamos, como o racismo. Para estes, o remédio contra as más idéias deve ser a divulgação de boas idéias e a promoção do debate, não a censura.

Do outro lado estão os que sustentam que as manifestações de intolerância não devem ser admitidas, porque violam princípios fundamentais da convivência social, como os da igualdade e da dignidade humana, e atingem direitos fundamentais das vítimas.

Confesso que me filio a este último pensamento, assim como o STF, que, em importante julgado, aplaudido de forma praticamente unânime no meio acadêmico e na sociedade civil, entendeu que a liberdade de expressão não protege manifestações de cunho anti-semita, que podem ser objeto de persecução penal pela prática do crime de racismo.

Ao mesmo tempo, entendo que deve haver muita cautela para limitar a liberdade de expressão em razão do conteúdo das idéias manifestadas. Devemos evitar a todo custo que este direito torne-se refém das doutrinas morais majoritárias e das concepções sobre o “politicamente correto”, vigentes em cada momento histórico. Todavia, não podemos ignorar a força silenciadora que o discurso opressivo dos intolerantes pode exercer sobre seus alvos.

Para visualizarmos melhor o que ocorre na prática, segue trechos a tão aplaudida decisão do STF:

Habeas-Corpus. Publicação de livros: anti-semitismo. Racismo. Crime imprescritível. Liberdade de expressão. Limites.  Raça e racismo. (...) A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País. (...) A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo. A edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.  (...) No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada. (HC 82424, Relator(a):  Min. MOREIRA ALVES, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2003, DJ 19-03-2004 PP-00017 EMENT VOL-02144-03 PP-00524)

Aguardo os comentários de vocês.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

"Emancipate yourselves from mental slavery".

“None but ourselves can free our minds”. 
(Bob Marley)

Não conheço definição melhor para o preconceito que "escravidão mental". Entendo-o como idéias pré-concebidas sem conhecimento. A cegueira-voluntária. O ódio irracional. De fato, ninguém além de nós mesmos poderia libertar nossas mentes. Dentre as formas corriqueiras de manifestação do preconceito, uma em especial me chamou a atenção recentemente. Estava eu me dirigindo ao Centro da cidade, eis que me deparo com o seguinte outdoor:




Sinceramente, com todo o respeito que tenho a todas as religiões, bem como à ausência dela, não entendo como a religião poderia legitimar a homofobia e o incentivo ao ódio. Não sei bem o que este Pastor quis sugerir com “preservação da espécie humana”. Será que ele pensa realmente que a orientação sexual de alguns estaria condenando a humanidade à extinção? Será que ele não sabe que os casais homoafetivos constituem família, e, segundo recente entendimento do STJ (louvável) podem adotar crianças? Tentei ser respeitosa, mas é risível. Ninguém em sã consciência pode concordar com tamanha ignorância.

Da mesma forma que a liberdade de expressão não pode ser pretexto para que alguém defenda abertamente o nazismo, entendo que, alguns deveriam refletir antes de propagar determinadas idéias, pensar nas conseqüências de seus atos... Será que Deus gostaria que o ódio contra os gays fosse disseminado pela igreja? Parece-me que a resposta é óbvia.

Inclusive, conversei sobre isso com o João, meu amigo de infância, autor de textos maravilhosos e esclarecedores, dentre eles o já famoso "A doenca da religião". O conhecimento liberta. A filosofia, a razão, o saber. Infelizmente em alguns casos a religião aliena. E esse me parece ser o caso dos que concordam e apóiam as estapafúrdias idéias do Pastor Malafaia.

Dentre as várias facetas do preconceito, desde as clássicas (cor, idade, sexo, orientação sexual, classe social, doença) até as mais recentes (nordestinos e ateus) podemos encontrar uma multidão de seguidores. O ponto em comum entre eles é a burrice. A quantidade de preconceito que cada um de nós tem é inversamente proporcional a de inteligência. Não tenho qualquer pudor em afirmar que as pessoas preconceituosas são burras. E não há conotação pejorativa aqui. Não falo da falta de estudo. Em sua grande maioria as pessoas preconceituosas têm a mente limitada, não querem se abrir a novas idéias. Não querem fazer o menor esforço para pensar diferente. E se escondem, atrás da máscara do ódio.

Já ouvi pessoas falarem, abertamente que, “não são racistas, mas não gostariam de um netinho com o cabelo ruim”. A afirmação que mais me enraiveceu sempre foi “não me sinto atraído por pessoas negras”. Há uma ainda pior “vai dizer que se o seu filho fosse gay você não ficaria chateada”. Só consigo sentir nojo. E talvez fosse esse o meu único preconceito: contra pessoas preconceituosas. Mas eu luto. Tento respeitar as diferenças. Só que o respeito é uma via de mão dupla...

Falarei agora do preconceito que já sofri. Todo mundo já passou por isso, de uma forma ou de outra. Recentemente, um senhor puxou papo no ponto do ônibus, indagando-me acerca da minha tatuagem. Acho que ele não gostou muito das minhas flores-de-lótus, e ainda disse que considerava aquilo uma mutilação. Eu, que não sou fácil, retuquei: “Brincos também o são. Até mesmo cortar o cabelo ou as unhas. Tatuagem é arte. É uma questão cultural”. Prá discutir comigo tem que ter argumentos válidos. Se ele tivesse falado simplesmente que não gostava, não entendia, ok. Mas não me venha com papo-furado.

Por incrível que pareça, também já sofri muito preconceito por ser vegetariana. E por não beber.  Isso não quer dizer que eu não tome nem uma tacinha de vinho. Simplesmente nunca tive o hábito de beber, de sair prá beber cerveja. Quando eu falo que sou vegetariana sempre vem um “mas nem peixe você come?”ou "você come o que então?". E quando sou chamada prum choppinho e digo que não bebo, a pessoa arregala os olhos e pergunta se eu sou evangélica.

Mas o preconceito diversifica-se, minha gente. Tem preconceito contra gente bonita. Isso mesmo. Se a pessoa é bonita não pode ser inteligente, é logo tachada de burra.

Ando sem paciência para o preconceito. Mas ao mesmo tempo sinto certa compaixão. Do quanto se privam os preconceituosos, imersos em seu ódio. Privam-se do conhecimento, e ficam presos a uma alma pequena. Privam-se de bons amigos. E acabam perdidos em meio a sua própria ignorância.


quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Entre o Espírito e a Matéria


"Natalia:
Amiga de rara beleza,
Espírito indomável e mítico,
Por vezes enigmática,
Outras, um livro aberto,
Compleição dócil, exótica -
Teu sorriso é o oceano revolto
Apaziguando os que te rodeiam.
É transmutação e idílio, bonança,
Prenúncio felicidade plena,
Estio e primavera em broto.

Talento gerado ainda no ventre -
A filha do poeta andarilho,
Clara como a lua de inverno,
Esfuziante como o sol a pino!
Fala suave, espontânea,
Sem pudores exacerbados!

Agora, cá estou, silente e índica,
Sorvendo a última réstia de sol,
Agradecendo a Deus por este vínculo,
Sim, a amizade que sempre busquei existe!
E tu és a fonte de tal alegria súbita!

Melhor amiga, companheira de lirismo,
A métrica não nos configura,
E é melhor que assim seja:
Livres como o próprio espírito,
Humanas, sem limitações,
Fiéis a nossos princípios -
Desabafos, madrugadas insones,
Música, empatia, afinidade plena
E esta ânsia de viver intensamente".
(Flavia Lopes - Natalia) 


Escrevo com os olhos cheios d'água, porque vou falar das duas pessoas que amo e que não se encontram mais neste plano. Tão longe e tão próximos: Marcus Bemfeito, meu pai, e Flavia Lopes, minha amiga tão preciosa. Por mais que acredite e busque conforno na reencarnação, as aparentes perdas dessa vida  são dificílimas.  No entanto, é bom encará-las, ajuda.

Meu pai também era poeta, desencarnou quando eu completara seis anos de idade. Por isso a Flavinha me chamou de "filha do poeta andarilho". Como ela pôde, sem conhecê-lo, descrevê-lo tão bem? Ele adorava viajar, acampar e escrever. As filhas, a família. Eram as paixões de sua vida, tão curta e tão intensa. Ele sabe o quanto o amo, e de onde me observa vê o quanto penso nele com tanto amor, com o coração partido, buscando me inspirar em seu exemplo de determinação, no legado que ele me deixou. Mais que tua filha, pai, sou parte sua. 

Sem que eu mesmo saiba, muitas vezes as pessoas que tiveram o privilégio de conviver com ele mais do que eu flagram afinidades. Fora a aparência e os olhos, que são inegavelmente idênticos, temos em comum a esíritualidade, o gosto musical (papai-metaleiro, olha que irado, rs), pelos estudos e pela poesia, a sensibilidade e a inquietação diante das desigualdades sociais. 

Tenho muito orgulho de ser filha de um homem tão inteligente, bem-humorado, que durante sua breve estadia ao meu lado foi um paizão, muito carinhoso... Me olhava com tanto orgulho, como se eu fosse a pessoa mais importante da vida dele. Só ele, minha mãe e minhas irmãs me olharam assim, fazendo-me sentir tão especial com um singelo olhar.

Escrever sobre a Flavinha prá mim é árduo. É um pouco recente, mas me parece que foi ontem, pois ainda consigo visualizar nossos momentos em uma tela... As brincadeiras com meus afilhados-gatinhos, como éramos tão meninas por vezes e em outras mulheres aguerridas. Assistimos "Irmão-Urso" em inglês, nos enchendo de doces, da primeira vez que nos encontramos em sua casa, com aquele telhado tão abençoado, em que olhávamos o Cristo Redentor, a Lua e as estrelas, em meio aos nossos devaneios. 

Por total incapacidade de falar da minha  amiga poetisa favorita, que para mim é tão boa ou melhor que os renomados, deixarei um dos que ela chamava de "fiéis escudeiros" terminar minha homenagem a essa menina-mulher inesquecível. Ela, que como eu, parecia querer carregar em seus ombros tão frágeis não apenas todas as dores do mundo, mas também todos os gatinhos abandonados do mundo, rs, vista com todo o carinho e talento de seu melhor amigo, o Raph:


"Estaria tua beleza perdida, minha amiga?
Ou antes espalhada pelas telhas e parapeitos da madrugada
A bailar para a lua, e cantarolar para a noite?
Seriam os cânticos e miados que ouço despercebidamente
A prova de que nas cidades etéreas
Já estais com tua pena a escrever doces poemas?

E quanto a esses felinos maravilhosos?
A cor de seu pelo brilha ainda mais com a aurora,
Seus movimentos precisos lembram as passadas de Hermes,
E em verdade não há nesse mundo nada mais enigmático que seus olhos!
Será que, como a rainha egípcia,
Você também agora os cria em seu templo de amor?

Mesmo essa saudade, que arde como um corte ainda aberto
Não poderia ser amenizada pela lembrança
De que em cada moita, telhado ou degrau
Há pegadas de teus filhos tão amados?

Pois tudo que hoje almejo
É olhar bem profundo
No próximo par de olhos de gato que encontrar
E fitando-os, tentar achar a porta
Que leva as escadarias de tua torre, minha amiga
Pois que ainda sinto essa falta tão amarga
De nossas conversas, nossas brincadeiras
E de gatos a pular".
(Rafael Arrais - Olhos de Gato) 



"And the tears come streaming down your face
When you lose something you can't replace (...)
 

Lights will guide you home
And ignite your bones
And I will try, to fix you".
(Coldplay - Fix You)

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Desabafos e Relatos.


   
"Se tens um coração de ferro, bom proveito. 
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia".
(Saramago)
Podia sangrar um pouquinho menos, não acham? Se a sensibilidade é uma dádiva ou um fardo está difícil de descobrir. Não consigo entender bem as pessoas que estão sempre alegres, serelepes e saltitantes. Valorizo o pensamento positivo, o otimismo, mas não somos robôs, certo? Sofremos, temos nossos medos e aflições, ainda bem.

Todos estamos de luto em razão da tragédia ocorrida na Região Serrana, a maior catástrofe da história do nosso país nos últimos tempos. Ao mesmo tempo em que a solidariedade do nosso povo é encantadora, me aflige a sensação de impotência perante os acontecimentos. Por mais que doemos, sangue, suor e mantimentos, dói no peito ver uma cidade tão linda e um povo tão pacífico despedaçado. E mais ainda a indiferença de alguns, que não foram afetados e  não fazem questão de se mexer, muito menos de se sensibilizar. Agem com a firme convicção de que "A vida continua".

O nome do post é "Desabafo" justamente porque não tem um tema único. Uma das grandes vantagens de escrever é soltar algo que está preso dentro de você. Uma amiga diz que toda vez que ela escreve é como um parto, e que os textos dela são como filhos. Eu tenho amor pelo que escrevo também, mas às vezes sinto que o texto carrega algo de podre de dentro de mim. Por isso a resistência em criar um Blog, não gosto muito de me expor, porque por mais comunicativa e expansiva que seja gosto de privacidade. Assim, meus antigos Blogs foram "prá vala", por ter escrito sobre assuntos que deveriam ser tratados entre amigos, ou na terapia, rs. Procurarei não cometer o mesmo erro desta vez.

Mas é inevitável tratar de um assunto recorrente na vida de todos nós: relacionamentos. Já achei um dia que era bom ter muitos amigos, até descobrir que, quem tem muitos amigos não tem nenhum. Tenho meus defeitos, que não são poucos, mas sou uma pessoa fácil de se lidar no geral. Só que tudo tem limite. Acho que todos somos falhos, mas certas atitudes e desvios são intoleráveis. 

Eu, não gosto de me "podar" prá agradar ninguém. Certas concessões são válidas, mas não perco minha essência. Se me sinto pouco à vontade ao lado de alguém que não me respeita, simplesmente me afasto. "Don't Try To Fix Me, I'm Not Broken".

A primeira coisa que aprecio, como boa taurina, é a sinceridade. Tem gente que diz que odeia mentira, mas talvez não odeie como eu odeio. Não falo daquela "mentirinha-social", do tipo, "Não poderei ir a sua festa hoje pois já tenho outro compromisso (inexistente)". Nãaaao! A mentira desleal mesmo. Falsidade. Gente que sorri prá você e te apunhala pelas costas. E eu não só odeio como reconheço. Às vezes tento me enganar, mas sinto cheiro de falsidade.

Um sentimento que nunca entendi/senti é a inveja. Não tem nada que me irrite mais que pessoas invejosas e preguiçosas que se comprazem com o fracasso alheio. Desprezível. Dentro da inveja está a futilidade. Creio que as pessoas fúteis, por serem vazias tendem a ser bem invejosas. Invejam o que não conquistaram por pura preguiça e comodismo, e tentam preencher esse vazio com futilidades.

A frescura também me tira do sério. Gente cheia de "nhém-nhém-nhém". Por causa dessa minha característica, por um tempo gostei de fazer amigos homens. Depois percebi que há mulheres "raçudas" e homens frescos, independente de orientação sexual. Já conheci homens que tinham medo de cachorro, e atravessavam a rua quando avistavam um. Sinceramente, não tenho a menor paciência prá isso. 

Agora sem falar em virtudes, erros e desacertos, uma atitude banal que me tira extremamente do sério é não retornar às ligações. É o cúmulo da falta de educação e consideração. Ou ainda: furar. Marcar tudo direitinho, dar certeza e não aparecer. Atrasar mais que meia-hora. Sou muito pontual, gosto de chegar até um pouco antes. Não sei lidar com pessoas irresponsáveis e descompromissadas.

Infantilidade e imaturidade são o último item que tratarei nesse eclético post-verborrágico. Tem gente que simplesmente não cresce. São pessoas completamente sem-noção que querem usar o manto da virtualidade prá falar coisas que não têm coragem de falar ao vivo. Estas pessoas não tem a menor vocação prá serem meus amigos, ou sequer colegas enquanto não aprenderem a FALAR, coisa que deveriam ter aprendido aos 2 anos de idade.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

"Um prato fundo prá toda fome que há no mundo".


Sempre em descompasso, sempre deslocada. O Brasil vibrando pelo BBB e ansioso pelo carnaval e eu venho vos falar de FOME. Isso mesmo. FOME!

Ontem aconteceu algo que me tocou demais. Andava pelas ruas do nosso belo Centro da Cidade com uma garrafinha d'água. Naquele calor, um guri que devia ter no máximo 3 anos, todo sujo, pediu minha água, com o olhar mais triste que já vi na vida. A mãe olhava distante, com o rosto amargurado por não poder repreendê-lo. E eu dei a água, porque era o que tinha prá dar na hora, estava sem nada.

O abismo social que existe em nosso país sempre me afligiu. Não consigo nem gostaria de ser insensível a ponto de dar de ombros e fingir que não é problema meu... Há pessoas que passeiam indiferentes com bolsas que têm preços de apartamentos, comem sorvete com flocos de ouro, dentre outras futilidades, com a consciência super tranqüila. Não sou hipócrita a ponto de achar que todos deveríamos fazer voto de pobreza por conta da desigualdade social. Mas se não posso fazer tudo, faço tudo que posso.

Alguns me repreendem quando dou dinheiro aos que pedem na rua. "Você está contribuindo prá que esses vagabundos continuem ociosos", me dizem. Outros, "Não há emprego, mas sempre há trabalho para todos, por isso não dou". Há uma série de justificativas para não dar esmolas. Mas nenhuma me parece racional e lógica a ponto de convencer-me a virar as costas prá alguém que tem o estômago roncando.

Procuro pensar que, se aquela pessoa vai fazer mau uso do dinheiro, eu fiz minha parte ao menos. Muitos dirão, "fome nada, querem é comprar cachaça e drogas com o seu dinheiro". Pode até ser. Mas se alguem me diz que está com fome, eu olho nos olhos e acredito. As pessoas têm que párar com essa mania de desconfiança. Opiniões formadas sobre tudo, verdades absolutas. Não quer dar dinheiro porque não confia, Sr. dono-da-verdade? Leve o faminto pedinte ao restaurante e pague-lhe um almoço, oras. E me respeite, por favor.

Parafraseando Pessoa, estou farta de semi-deuses. De frieza, distância. Sinto compaixão, empatia. Passo na Av. Brasil e olho os moradores de rua com o coração apertado. Como deve ser ruim dormir ao relento. Passo na zona sul e fico olhando o contraste dos maravilhosos apartamentos em meio aos esgotos a céu aberto nas favelas. Aqueles rostos tem uma história, cada um com suas dores. Não são seres invisíveis, como querem crer alguns.

E não é só a miséria humana que me toca, mas a dos animais também. O especismo, os maus-tratos, as mortes desnecessárias e a vida indigna que alguns levam até chegar aos pratos. Não é papo de "vegetelho" não. Respeito quem come carne, mas só se o consumo for consciente. Não me venha dizer que não sabe dos impactos ambientais do consumo excessivo, porque no mundo de hoje falta comida mas não falta informação. Sempre choro quando passa um caminhão da Rica com frango ao lado do meu ônibus. Eles não têm bico, ficam feridos e doentes. E enjaulados em uma gaiola pequena prá carne ficar mais macia.

E o abandono então? Animais são abandonados nas férias porque os donos viajam. Idosos são abandonados pelos filhos porque dão muito trabalho. Tudo isso é conseqüência do individualismo, do ego-materialista. Temos que nos envolver, confiar, nutrir o mundo com nosso amor. Não me refiro apenas à caridade material, à moral também. Podemos sempre dar uma palavra de consolo, um bom conselho. Um ABRAÇO. Um olhar. Mas não nos omitir e fazer-nos de cegos. Porque todos somos SIM responsáveis pelo mal que ocorre em razão do bem que deixamos de fazer...

Prá não dizer que não falei de flores, e finalizar este reflexivo post, deixo quem os poetas falarem por mim:


"A gente não quer só comer
A gente quer prazer prá aliviar a dor.

A gente não quer só dinheiro
A gente quer dinheiro e felicidade".

(Titãs - Comida) 


"Eu não tenho renda pra descolar a merenda
Cansei de ser duro vou botar minh'alma à venda
Eu não tenho grana pra sair com o meu broto
Eu não compro roupa por isso que eu ando roto
Nada vem de graça nem o pão nem a cachaça
Quero ser o caçador ando cansado de ser caça ".

(Zeca Baleiro - Babylon)

"Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas". 
(Carlos Drummond de Andrade - Congresso Internacional do Medo)