sexta-feira, 18 de março de 2011

As fogueiras sagradas - Parte 02



Todos estávamos em volta da Fogueira. Podíamos sentir a Deusa e o Deus se unindo, a energia da fertilidade fluindo na terra... Beltane marcava o fim do verão e o início da primavera. O retorno do sol. Os antigos druidas enxergavam o sexo como a força da vida. As sacerdotisas entregavam sua virginidade ao Gamo-Rei, o galhudo, a personificação do Deus. Aprendiam que, quando celebravam Beltane entregando-se ao Deus, encarnavam a própria Deusa. Nesse momento, sentiam fluir a grande força da natureza, limpa e sem pecado, uma corrente de vida que as envolvia como um turbilhão.

Atualmente, talvez não possamos entender o significado da Primavera para este povo dos campos, que vivia do que a terra fornecia, sem as técnicas Agrícolas de que dispomos hoje. Pode parecer primitiva a celebração da fertilidade da terra com o sexo. Mas tudo depende do ponto de vista. O que seria mais profano, enxergar a união de um homem e uma mulher, como celebração aos seus Deuses pela chegada da vida e das colheitas, ou enxergar a fonte da vida como suja, como um grande pecado? Esse ponto de vista sim, parecia ofender aos Deuses e se contrapor à própria natureza.

No entanto, nosso coven não celebrava Beltane como os antigos... Tínhamos que nos adaptar a nossa época. Muito embora lembrássemos com carinho da liberdade daqueles tempos, representávamos a união da Deusa à seu consorte de outra forma. Alguns se perguntarão então porque estávamos nus no ritual. Apenas quem já se banhou nu na praia, numa cachoeira, é capaz de saber como é poderosa a sensação de ser parte do todo, sem amarras.

Diana sentia o suor provocado pelo calor da fogueira. Chegada a hora, reunidos em volta da fogueira, proclamamos:

"Encontramos-nos cheios do poder dos Deuses e agora vamos trabalhar a magia dos Fogos de Beltane, para trazer-nos sorte no próximo verão. Que os fogos purifiquem nossos corpos, mentes e espíritos, auxiliando-nos a cultivar a paixão e a mantermos sempre uma atitude positiva perante a vida."

Podiam sentir o quanto era sagrada a harmonia da natureza e dos quatro elementos. A terra parecia gritar. Continuaram:


"Assim como os antigos fizeram antes de nós, vamos agora fazer e assim os nossos descendentes também o farão. Reunimo-nos no Bosque Sagrado para celebrar o Festival de Beltane e dar boas-vindas ao verão, que se aproxima. A água como o fogo, regenera e revitaliza a nossa existência, aumentando o poder da vida e da criação, dando-nos prosperidade e abundância, curando o passado e abençoando-nos com o presente".

Uma grande alegria inundou seu coração... Diana entrou em transe, extasiada por inúmeras sensações. Sentia o amor da Deusa fluir dentro de si, em seu sangue. Ao lado da fogueira, havia um mastro, símbolo fálico da fertilidade. Entrelaçadas neles, várias fitas coloridas e brilhantes, simbolizando a união do masculino com o feminino. Dançariam alegremente músicas Celtas em torno dele, até o amanhecer. Antes, porém declararam solenemente:


"Mãe Terra, percebo o seu toque no vento
Provo o seu néctar no ar
Vejo seu fôlego na ondulação do mar
Sinto seu perfume nas árvores e no solo
Ouça a sua voz na pedra e na rocha
Acendo o fogo sagrado na vela e na tocha
Para as forças da natureza honrar
E as bênçãos da Mãe Terra celebrar!"
 

Todos sorriam, era um momento de muita alegria. Eram mais que irmãos, não havia julgamentos nem cobranças entre eles, apenas aceitação. Continuaram:

"Que a Voz do Fogo da Sabedoria,
Guie-nos no caminho da Verdade
Que a Voz do Poço da Inspiração
Guie-nos no caminho da Renovação
Que a Voz do Bosque Sagrado
Guie-nos nesse caminho abençoado."

E dançaram a madrugada toda, até a chegada do orvalho... As oferendas eram frutas vermelhas, cidra e flores. Comeram, gratos pelo que a mãe terra lhes fornecera. Sentiam a chegada da Primavera, do sol, e a união com os antigos. E sabiam que assim tinha sido em outras existências.

Terminado o ritual, Diana se arrumava para voltar para casa. E sempre refletia, após os Sabbaths: por que para ela tudo era tão natural e sagrado, e algumas pessoas conseguiam acordar e dormir sem se darem conta de que o universo todo trabalhava para nos garantir alimento e vida? Por que os Cristãos inventaram o demônio e o pecado, e acusavam a sua fé?

Sentia-se feliz, no entanto, por ter ao seu lado pessoas que a entendiam e compartilhavam das mesmas dúvidas e anseios. Toda vez que, indagada acerca de sua religião, dizia ser Bruxa, enfrentava o preconceito e as risadas. Mas sabia que apesar de tudo, a felicidade estava na natureza, e em nenhum outro lugar. E enfrentaria o que fosse preciso prá defender a Deusa, afinal de contas, quantas mulheres morreram queimadas por conhecerem as propriedades curativas das ervas, na inquisição? Era injusto com sua memória fugir e se esconder.

As borboletas e as flores pareciam sorrir para ela, agradecendo a homenagem, dizendo-lhe que sua religião era bela e pura, não importava o que dissessem. E ela se sentia privilegiada, por saber que as coisas mais simples eram as mais extraordinárias.

4 comentários:

  1. Tudo isso me fez recordar este poema, de Murilo Mendes:

    Reflexão e convite

    Nós todos estamos na beira da agonia
    caminhando sobre pedras angulosas e abismos
    Ninguém ouve o barulho da banda de música
    que está ali firme do outro lado do século

    Encontramos o sonho e o pusemos no altar.
    Incenso e adoração, culto ardente pra servir.
    Saímos dos planos múltiplos do sonho,
    não nos integramos na ciência da total realidade.

    Vamos colher as flores grandes que crescem nos abismos
    e apreciar as explosões de luz de dois universos.
    Apressando o passo estaremos do outro lado do século
    ouvindo o barulho da banda de música que não para nunca.

    Preciso dum ritual desses, principalmente por causa da juntura com a água.

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  2. Que honra ter lembrado Murilo Mendes! Tenho um livro de poesias dele que adoro! Brigada ;)

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  3. Sempre gostei de histórias de bruxas com suas sutilezas, sensibilidade... As bruxas são seres especiais! VOCÊ É UM BRUXA! Tão boa você, nos encantando, apelando para o simples, chamando atenção para a natureza, para os frutos. Vendo o simples como magia, vendo a terra como terreiro, terreno de deuses, deuses humanos, deuses mortais, deuses divinos, encantados... Esse é o grande barato das bruxas! Obrigado!

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  4. Pois é João, a Bruxinha que vos fala fica lisonjeada com o elogio, hehe! Estou relendo "As Brumas de Avalon" e acabei me inspirando! Que bom que gostaram!

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